Os Símbolos e Mitos do Período Colonial
Cruz
A cruz estava presente em todo o processo de colonização transatlântica, uma vez que a religião cristã foi instrumentalizada como justificação para a invasão de territórios e a escravização de povos não-cristãos.
Desde o batismo forçado, aos padrões plantados como símbolo de conquista territorial, a cruz é o símbolo da violência católica e evangelização forçada de outros povos, nomeadamente dos povos indígenas que já viviam nas terras ocupadas pelos colonizadores.
Em Portugal, o mito da “missão divina da colonização” continua a ser empregue até hoje.
Figuras como o Padre António Vieira, José de Anchieta e Manuel da Nóbrega, jesuítas que participaram do processo de evangelização no Brasil, são lembrados enquanto “defensores dos direitos dos índios” porque acreditavam na libertação dos povos indígenas através da evangelização e conversão religiosa.
Foi um processo de violência que forçava os povos indígenas a cortarem seus cabelos, mudarem as suas línguas, as suas roupas, os seus costumes, em troca da sobrevivência.
Por outro lado, esta “proteção” religiosa não se aplicava a todos, uma vez que os jesuitas não pareciam ter a mesma empatia pelos escravizados negros, que eram vistos pela santa fé enquanto “selvagens” “sem alma”.
Chamar de “defensor dos direitos humanos” aos padres jesuítas da colonização é perpetuar uma violência de apagamento do sofrimento dos povos colonizados e um erro de anacronismo histórico.
Este mito ajuda a reforçar ideias racistas e imperialistas, que ignoram a violência da conversão religiosa forçada, genocídio e o apagamento cultural e identitário dos povos colonizados.
A cruz, carregada com o simbolismo da culpa e do sofrimento, era o primeiro objeto a ser plantado sempre que os colonizadores chegavam a um novo território do fabricado “Novo Mundo”.
Ela redimia uns e massacrava outros.
Personificou até hoje a divisão binária do mundo ocidental: bom/mau, sagrado/profano, luz/escuridão, selvagem/civilizado, homem/mulher, natural/humano. Nós e os Outros.
Caravela
Embarcação utilizada durante as navegações e invasões coloniais, que é, ainda hoje, exaltada como um dos maiores símbolos nacionais dentro da narrativa colonial contemporânea.
Existem centenas de reproduções da imagem da caravela presentes no espaço público e privado em Portugal, desde gravuras em fachadas de edifícios, ilustrações em manuais escolares até aos souvenirs para os turistas.
A sua mais importante representação é o padrão dos “descobrimentos”, um monumento construído durante a ditadura Salazarista para a Exposição do Mundo Português, realizada em 1940, e que serviu enquanto estratégia de propaganda para reafirmar a posição imperialista e colonial do Estado Novo (1933 - 1974).
A Caravela, o símbolo máximo do imperialismo português, representa uma peça-chave na identidade nacional, sustentada pelo mito do colonizador herói. Nas escolas, aprendemos que Portugal, apesar de um país pequeno, “conquistou” e “abriu as portas ao mundo”, que os navegadores portugueses foram corajosos e audazes em se aventurar por mares desconhecidos, numa missão altruísta de evangelização e civilizatória.
Na nossa história fazem-nos esquecer tudo o que isso custou.
Este é o artefato que sustenta o ponto de partida da usurpação, genocídio, captura, tráfico e escravização de povos autóctones presentes em outras partes do mundo.
E a sua imagem é tão forte que seis séculos se passaram e o colonizador ainda é visto como herói.
Caravela lembrada, navio negreiro esquecido... ambas embarcações da morte, do expansionismo, do horror.
Bandeira
Símbolo visual que representa um país ou território soberano e que por isso, representa também a identidade nacional enquanto conceito por si só.
A fabricação e efabulação histórica, que transforma o colonialismo escravocrata numa história de heróis e conquistadores, acontece pela necessidade de manutenção de sistemas opressores, muitas vezes sustentados pela ideia irrealista de “nação”.
Quem pertence e quem não pertence.
A bandeira portuguesa tem vestígios explícitos desta história de violência, desde as cores aos seus símbolos (castelos, quinas e a esfera armilar).
A procura pela manutenção destas ideias tem sido cada vez mais defendida por grupos extremistas de direita conservadores, demonstrando a importância destes símbolos e do imaginário nacionalista, na manutenção do poder hegemónico.
Entre a discussão sobre as imagens e monumentos presentes no espaço público, à reformulação do último logotipo do governo para uma versão mais sintetizada, o que fica evidente é a dificuldade excessiva de falar sobre o passado colonial português na esfera pública e a constante manipulação e aproveitamento dos símbolos nacionais para reacender ideias ultra nacionalistas, imperialistas, racistas e xenófobas.
O que acontece quando se questiona a identidade nacional de um país, a sua história, a sua memória? E se vivêssemos num mundo sem bandeiras, sem hinos, sem fronteiras?
Açúcar
Também chamado de “Ouro Branco”, foi uma das maiores “commodities” do período colonial.
Trazida da Ásia e plantada pela primeira vez pelos portugueses na Ilha da Madeira, onde foi feito o teste daquilo que viria a ser a plantação no Brasil.
A introdução da monocultura de cana de açúcar no território a que hoje chamamos Brasil, foi o principal motivo da captura e escravização de pessoas africanas, para servirem de mão-de-obra forçada na produção de açúcar.
Portugal passou a ser dos maiores fornecedores de açúcar para toda a Europa, enriquecendo assim os escravocratas que lucravam à custa da vida de pessoas escravizadas e do seu trabalho forçado.
A plantação de açúcar e a Casa Grande & Senzala, funcionam como um micro-cosmos, um território físico e metafísico que coloca em evidência a grande máquina imperialista e colonial.
É também a partir do açúcar e do universo imaginário que Gilberto Freyre e muitos outros criaram, que se alimentou o mito da democracia racial e do luso-tropicalismo no Brasil, “adocicando” a realidade da miscigenação forçada, da escravatura e do tráfico transatlântico, dos abusos e violações às mulheres negras e se apagou a história de resistência dos povos originários (indígenas) e quilombolas.
A violência desta monocultura afetou não só as pessoas escravizadas, como os indígenas que moravam nestes territórios e a própria terra que passou também a ser explorada enquanto propriedade.
Hoje, o colonialismo continua através de outras formas…
O capitalismo selvagem incentiva a ideia de propriedade e privatização da terra, justifica as invasões e expropriações, destrói tudo aquilo sobre o qual não é possível lucrar, numa mesma lógica colonizadora e escravocrata, onde apenas uns lucram com o trabalho e a terra de outros.